Era uma vez um rei que convenceu outro rei a travar guerra contra um terceiro reinado por uma causa que não era tão importante assim. Acabe e Josafá, ambos os reis do povo hebreu já dividido em reinos do norte e sul, decidiram sair para uma batalha perigosa e provavelmente fatal. Sabe aquelas ideias que nascem do puro egocentrismo e se transformam em atos concretos? Era mais ou menos isso o que iria ocorrer. Josafá, felizmente um pouco mais sensato, aconselhou o colega afoito e obstinado a pedir uma orientação divina antes se aventurar por caminhos que poderiam resultar em perdas humanas, materiais e desânimo.
É bem verdade que, por força do desejo ardente de Acabe de receber aval dos seus asseclas sempre prontos a lhe dar uma palavra de bajulação, foi ouvido primeiro o grupo de sempre. Aqueles homens que só falam o que os outros desejam escutar. Aquilo que é popular, que não vai se chocar contra qualquer vontade ou gosto pessoal. Aquilo que o chefe espera ouvir do subordinado. Os bem pagos conselheiros do rei deram sua previsível opinião e apoiaram a revolta de Acabe e Josafá. Mais do que isso: afirmaram categoricamente que a vitória era certa.
Foi então que, somente então, alguém se lembrou do impopular e marginalizado profeta Micaías. Vivendo à margem da corte, sim, porque já sabiam que o sujeito não iria falar necessariamente aquilo que as pessoas esperavam ouvir. Micaías era conhecido por revelar exatamente o que Deus pretendia transmitir a seus líderes e, por conseguinte, ao Seu povo.
Micaías aparece na cena, chamado pelos reis, provavelmente imaginando que mais uma vez seria criticado por aquilo que fizesse ou tentando entender por que, dessa vez, resolveram pedir algum conselho da sua parte.
Micaías, mais uma vez, pôs sua cabeça a prêmio ao desmentir a turba de bajuladores do rei Acabe e reproduziu o pensamento de Deus acerca do intento dos dois reis. Alertou sobre a iminente derrota produzida por esse avanço em direção às tropas da Síria. Resultado: Micaías foi parar na cadeia, enquanto Acabe e Josafá saíram para o que seria, no caso de Acabe, sua derradeira investida militar. Morreu Acabe, Josafá saiu intacto por providência divina e ficou claro que o alvo principal era o rei que agora estava morto.
Acabe representa o desejo humano de seguir o curso da vida de acordo com a experiência própria, os impulsos do coração, a sugestão de amigos ou mesmo consoante uma ideia bem particular. É lícito pensar assim, mas não necessariamente prudente e eficaz. Deus concede liberdade de escolha às pessoas, mas a escolha sensata só pode vir do conselho divino.
Micaías representa, nessa história bíblica relatada em I Reis 22, a voz de Deus que é sempre, em todas as circunstâncias, a melhor resposta. O conselho de Deus deveria ser o primeiro a ser ouvido e não o último. Na oração, não são mais importantes nossas particulares percepções, expectativas e desejos; porém a permissão para que Deus nos conduza efetivamente na direção que Ele sabe que é a melhor e que dará o resultado de qualidade. Todos nós podemos ter ideias acerca do que fazer e como fazer, assim como Acabe, mas a sujeição desse ideal a Deus, antes de qualquer ação concreta, é evidência de cristianismo dependente. Da religião que não distancia Criador da criatura, mas que os torna interligados e os faz se corresponderem diariamente em busca das melhores soluções.
Fica a mensagem de Micaías: consulta primeiro a Deus.
Felipe Lemos é jornalista e assessor de comunicação
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