quarta-feira, 13 de junho de 2012

A disciplina da meditação na espiritualidade cristã moderna – Dilsilei Monteiro


Vivemos em uma sociedade em que o ruído, a pressa e as multidões nos desafiam, de modo crescente, em todas as áreas de nossas vidas, essencialmente naquilo que nos é mais importante, que é a nossa relação com Deus. O psiquiatra Jung, corretamente, afirmou que “a pressão não é do diabo; ela é o diabo.” Esse é o retrato de nossa época que nos conduz a refletirmos nossa Espiritualidade Cristã em uma época de diluição, fragmentação e superficialidade.
Neste sentido, de superação da pressa, do ruído e da multidão em busca da solitude, do tempo para ouvir a Deus, Osmar Ludovico pontua: “O ativismo é fruto de um coração inquieto e ambicioso. Resgatar o tempo sabático, isto é, parar para celebrar a vida, sem nenhum compromisso, trabalho, ou solicitação é um mandamento de Deus. Jeremias 31.3 fala do amor eterno, sem pressa. Deus anda lentamente porque é eterno, não tem a limitação da cronologia. Na mitologia grega o deus Cronos devora seus filhos. O amor tem seu ritmo, precisa de tempo, de um ritmo interior, diferente da velocidade tecnológica dos computadores e do fast-food. Tudo que é mais profundo é lento, é diferente das soluções mágicas instantâneas, precisa de tempo. A ternura não pode ser dada rapidamente, amizades precisam de tempo para se consolidar, e o perdão é um processo que demanda paciência. Para trilhar um caminho de intimidade e da escuta mais profunda precisamos desacelerar, andar num outro ritmo, sair do frenesi, da euforia e da agitação que nos fragmenta. Significa estar inteiro em cada encontro, em cada palavra, em cada sorriso, em cada lágrima, remindo o tempo e  alcançando um coração sábio, pois o tempo é fugaz e o que realmente importa é o quanto nós amamos e fomos amados. Invocar a graça e a ternura eterna de Deus sobre a minha vida é entrar no tempo do descanso, no Schabat, na salvação, no Shalon de Deus, na plenitude”.
Quando falamos em meditação, imediatamente se apressam em fazer uma associação exclusiva desta prática bíblica com as religiões orientais. Não serão poucos os que descuidadamente a atribuirão à Nova Era ou coisa do gênero. Isso se explica porque, não
obstante ser uma prática orientada pelas Escrituras e praticada com intensidade em diversos momentos da história da Igreja, essa disciplina foi aos poucos sendo abandonada. O evangelicalismo moderno, que praticamente a sepultou, é na verdade ele mesmo, grande responsável por trazer às nossas igrejas a pressa, o ruído e as multidões.
A separação, o desligamento, é a meta final da religião oriental. Trata-se de uma fuga, um escape. Não há Deus ao qual ligar-se ou de quem ouvir. Zen e Ioga são formas populares desse método. Mas a meditação cristã vai além da noção de separação; ela busca a intimidade, a comunhão com Deus por Sua Palavra. O afastamento da confusão toda que nos cerca é para que
tenhamos uma união mais rica com Deus e que resulta numa comunhão mais abençoada com as demais pessoas.
Quando olhamos para as Escrituras, percebemos que Deus falava às pessoas, não porque elas tivessem capacidades especiais, mas porque estavam dispostas a meditar no e com o Senhor (veja Gênesis 24.63; Salmo 63.6). O Salmo introdutório do saltério inteiro chama o povo a imitar o homem “bem-aventurado”, cujo “prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia
e de noite” (Salmo 1.2).
A Bíblia diz que João, ao receber sua visão apocalíptica (Apocalipse 1.10), encontrava-se “em espírito”, no Dia do Senhor. Seria o caso de João ter sido treinado numa forma de ouvir e ver, da qual nós temos esquecido? O que nos falta, em grande parte do tempo, é mais do que simplesmente ler a Bíblia. Mais precisamente, precisamos nos colocar diante da Palavra de Deus como o pecador necessitado de salvação, que ouve a mensagem de que só a graça o salva; isto o leva a uma atitude de confiança no dom de Deus; a Este, e não por si mesmo, o crente atribui a sua purificação interior; a Deus só, e não a si (homem), o protestante tributa a glória.
É esse o alerta de Calvino: “Não oraremos de uma maneira correta a menos que a preocupação por nossa própria salvação e zelo pela glória de Deus sejam inseparavelmente entrelaçados em nossos exercícios.” [João Calvino, O Livro de Salmos, Vol 3, p.259]
No comentário de Hebreus, Calvino novamente afirma essa vital necessidade de estarmos unidos a Deus como nosso propósito primeiro e último: “O genuíno decanso dos fiéis, o qual dura por toda a eternidade, é segundo o descanso de Deus. Como a mais sublime bem-aventurança humana é estar o homem unido com Deus, assim deve ser também o seu propósito último, o qual todos os seus planos e ações devem ser dirigidos” [João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo, Parakletos, 1997, (Hb 4.3), p.103]
A meditação é um convite a uma comunhão íntima e profunda com Deus, quando a sua graça é abundante e inquestionavelmente derramada em nosso coração. Ela nos convida a entrar na presença viva de Deus por nós mesmos, através de Cristo; o véu foi rasgado, o sacerdócio é universal, e todos quantos vivem em Cristo e Cristo nele podem entrar no Santo dos Santos e conversar com o Deus vivo.
O que é meditar, então? A Bíblia explica a meditação comoa sóbria e consciente contemplação da Palavra de Deus (Salmo 1.2). Momentos sossegados de meditação não são, portanto, orações sem palavras, mas sim a contemplação da Palavra de Deus. É a cooperação entre a mente e a fé do crente, em que as Escrituras são cuidadosamente consideradas, examinadas e investigadas. No Salmo 119:15 o salmista se dispõe completamente ao desejo de meditar na Palavra do Senhor como deseja o próprio Deus.
Se a leitura responde à pergunta: “Que diz o texto?”, a meditação pretende responder à pergunta: “Que diz o texto para mim?”. Meditar não é “pensar intensamente meus pensamentos a respeito de Deus”. É tomar os pensamentos de Deus e intensa-longa-repetida-e-
incessantemente ocupar minha mente + alma neles, até que todos estes tomem a forma dos de Deus. É como um boi ruminando: ele tem que primeiro ingerir o rico capim e depois tem que ruminá-lo muitas e muitas vezes, até que o digira e incorpore os nutrientes do seu ser.
Calvino nos ensina que “os crentes não oram com a intenção de informar a Deus a respeito das coisas que Ele desconhece, ou para apressá-Lo, ou para incitá-Lo a cumprir o Seu dever, como se Ele fosse relutante. Pelo contrário, eles oram para que assim possam despertar-se e buscá-Lo, e assim exercitem sua fé na meditação das suas promessas, e aliviem suas ansiedades, deixando-as nas mãos dele; numa palavra, oram com o fim de declarar que sua esperança e expectativa das coisas boas, para eles mesmos e para os outros, está só nele” [John Calvin, Commentary on a Harmony of the Evangelists, Mattew, Mark, and Luke, Grand Rapids, Michigan, Baker Booh House, 1981 (reimpresso), p.314].
A fé tem uma perspectiva de 50% receber a palavra no íntimo e 50% agir com base nessa palavra. Portanto, grande é a importância do primeiro passo: receber como terra fértil a semente, que é a Palavra. Em Tiago 1:24-25 aprendemos que para receber o conselho de Deus temos que considerar atentamente a lei perfeita. Quando ligamos nosso coração à Palavra, nos tornamos propícios para o ensino do Espírito Santo. Precisamos atender ao devido cuidado para com a Palavra, meditando e buscando até que Deus nos instrua plenamente.
Reconhecemos que a Bíblia precisa fazer parte da nossa vida. A leitura diária de um trecho ajudará, aos poucos, a “entrar na Palavra” e a conhecer a vontade de Deus para conosco. Melhor ainda, se isso puder ser feito em família ou com outras pessoas.
Assim, é que devemos intensificar nossa disciplina quanto a meditação na Palavra, guardando a consciência existente entre os judeus do Antigo Testamento de que a Palavra de Deus é criadora eficaz; é tão viva que realiza o que ela anuncia (cf. Gn 1.3s/ Si 32.9; Is
48.13; Jo 1.3). Abraçando essa Palavra pela fé, o crente é renovado interiormente, torna-se gradativamente “uma nova criatura” (cf. 2 Cor 5.17).
Que o Senhor nos abençoe em desenvolver um profundo amor pela Verdade, pela Palavra que nos traz a vida e que nos santifica, afinal fomos recriados em Cristo para sermos o povo da Palavra.
Extraído de AME Cristo

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