A Santa Ceia atinge o coração de nossa caminhada cristã.
Por Gerald Klingbeil
O que você associa à Santa Ceia? Janelas com vitrais, pequenos cálices e sons solenes?
Eu vejo uma praia do Atlântico, na costa da França, onde celebrávamos esse importante rito cristão, sentados no chão, com pranchas de “surf” como mesas, durante o acampamento de jovens. Posso ver, ainda, um velhinho, em algum lugar dos Andes, no Peru, numa pequena igreja, que se ajoelha na minha frente e, com as mãos calejadas, lava cuidadosamente meus pés. Não falávamos a mesma língua, mas compreendíamos um ao outro.
A Santa Ceia me faz recordar os milhares de cristãos mortos, através dos séculos, tanto católicos como protestantes (e mesmo protestantes entre eles mesmos) que não podiam concordar com o significado das práticas teológicas e suas ramificações.
Juntamente com o batismo, a celebração da Santa Ceia é um rito extremamente importante para a igreja cristã, instituído por nosso Senhor Jesus Cristo (Mt 26:26-28; Jo 13:13-17). Como todo ritual, ele fala a cada participante, reforçando conceitos fundamentais em nossa jornada cristã, tais como: a) não somos salvos por méritos próprios; ao contrário, é um presente possível apenas por meio do sacrifício de nosso Salvador Jesus Cristo; b)serviço e humildade não são apenas conceitos teológicos, mas elementos que devem ser postos em prática; c) unidos ficamos em pé e, divididos, caímos.
Símbolo Poderoso
A Santa Ceia tem suas raízes no Antigo Testamento e é outro bom exemplo da indivisível unidade da revelação de Deus em ambos os Testamentos, concernente ao plano da salvação.
Voltemos à primeira Santa Ceia. É época da Páscoa em Jerusalém, e Jesus e Seus discípulos estão se preparando para celebrar essa importante festa anual que lembrava a graçasalvadora de Deus em contraste com o poderoso domínio do inimigo (veja Mt 26:17-30 e textos paralelos). Reservaram uma sala e prepararam o tradicional cordeiro pascal, pães sem fermento, ervas amargas e diferentes bebidas. Jesus Se ajoelhou diante de Seus discípulos briguentos e lavou-lhes os pés sujos (Jo 13:1-6), trabalho geralmente realizado por escravos. O cordeiro pascal assado é passado ao redor da mesa; depois, os pães asmos e as ervas amargas.
De repente, Jesus fala: “Tomai, comei, isto é o Meu corpo” (Mt 26:26). Ele, também, toma o cálice1 e diz: “Bebei… Porque isto é o Meu sangue, o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados” (Mt 26:27, 28). O pão e o cálice representam a alimentação diária de um palestino comum. Mas Jesus usa esses elementos comuns e dá-lhes um novo significado.
Paulo escreve sobre o assunto, em sua primeira epístola à igreja de Corinto, igreja formada por várias etnias, lembrando-nos de que comer e beber juntos não apenas cria uma comunidade como nos ajuda a lembrar o incrível sacrifício do Filho de Deus (1Co 11:26). Ao olharmos para trás, “lembrando-nos” da morte de Cristo na cruz, tiramos os olhos de nós mesmos e focamos na mais incrível, audaciosa e transformadora mensagem. A mensagem de um Deus que não Se assenta isolado em Seu trono, para falar, de uma distância remota, da realidade de pecado e dor, mas que está preparado para Se humilhar e morrer por Sua criatura ingrata.
A Santa Ceia não apenas nos relembra a morte de Jesus, mas proclama alta e publicamente Sua vitória sobre o pecado, apontando para o glorioso dia de Sua segunda vinda (1Co 11:26).
Esse olhar para frente é uma parte importante da teologia cristã e seu estilo de vida. Ajuda a nos lembrar que a vida não consiste apenas 50, 60 ou 80 anos e uma sepultura esperando por nós, mas que há esperança além da sepultura. Seremos reunidos com nossos queridos e com nosso Salvador ressurreto, naquele grande dia, quando Ele “enxugará dos olhos toda a lágrima” (Ap 7:17; 21:4; cf Is 25:8).
Fator Freqüentemente Mal Compreendido
O livro do Apocalipse descreve essa reunião como uma grande festa de casamento (Ap 19:7-9), a qual, mais uma vez, é uma lembrança da Santa Ceia (e da antiga refeição da páscoa). Na realidade, a figura de comer e beber é usada freqüentemente no livro do Apocalipse e está relacionada à vitória e celebração (Ap 2:7; 3:20; 7:16; 12:6, 14; 19:9; 21:6; e 22:17). Essa figura também introduz a idéia do julgamento final (Ap 6:8; 14:10; 16:6; 17:16; 19:17, 18; e 20:9).2
Esse aspecto particular do julgamento, em relação a comer e beber, está presente também na Santa Ceia. Paulo lembra a igreja de Corinto e afirma que o indivíduo que participa da Santa Ceia “indignamente” “será réu do corpo e do sangue do Senhor” (1Co 11:27). Em outras palavras, quando você e eu participamos da Santa Ceia sem nos arrependermos de nossos maus pensamentos, obras más e motivos egoístas, perdemos uma oportunidade inacreditável. Continuamos a carregar esses pecados, em vez de “descarregá-los” sobre nosso Receptor de pecados celestial e deixar que sejam apagados dos nossos registros.
Esses sentimentos de Paulo podem ser a razão por que alguns de nós não participam da Santa Ceia. Talvez se sintam indignos – sentem que a desordem de sua vida nunca poderá ser corrigida. Acham que talvez não possam perdoar o que fizeram com eles.
Na verdade, não são essas coisas que nos tornam indignos. Só nos tornamos indignos de participar da Santa Ceia quando não mais ouvimos a voz do Espírito Santo – o Espírito nos fala com amor, quer nos condenando, quer nos transformando. Aqueles que participaram da primeira Ceia não eram infalíveis ou perfeitos. Na verdade, todos os participantes, naquela noite, negaram sua fé, traíram seu Mestre e simplesmente fugiram.
Por intermédio da Santa Ceia, entretanto, Deus providenciou uma maneira maravilhosa de nos alegrar fisicamente na companhia dos crentes. Ao lavarmos os pés uns dos outros, ao comermos e bebermos os emblemas da morte de Jesus Cristo, ao cantarmos juntos um hino de vitória e salvação, com o qual terminamos cada uma dessas cerimônias, tornamo-nos parte do (indivisível) corpo de Cristo – a noiva se aprontando para encontrar seu Noivo.
Novas Memórias, Novos Hinos
Ainda posso me lembrar dessas maravilhosas reuniões de Santa Ceia – algumas vezes celebradas em lugares estranhos, geralmente participando com pessoas que eu nunca havia conhecido antes, mas que sempre me levaram para mais perto do meu Salvador. Toda vez que participo da Ceia, o perdão se torna realidade, novas memórias de vitórias são acrescentadas, novos hinos são escritos e vidas são transformadas.
Eu amo estar à mesa. E você?
1 Os três evangelhos que descrevem a história da última Santa Ceia incluem o termo “cálice” (Mt 26:27; Mc 14:23; Lc 22:17; também 1Co11:25-27), o que não especifica, na realidade, o tipo de bebida que estava no cálice. A indicação do conteúdo do cálice vem, apenas, na declaração de Jesus (mais tarde) de que Ele não iria “beber desse fruto da videira” até o fim do banquete escatológico (Mt 26:29). Para pesquisa mais profunda, veja Gerald A. Klingbeil, Bridging the Gap: Ritual and Ritual Texts in the Bible (Bulletin for Biblical Research Supplements 1; Winona Lake, Indiana: Eisenbrauns, 2007), p. 178-181.
2 Para mais detalhes, veja Gerald A. Klingbeil, “‘Eating’ and ‘Drinking’ in the Book of Revelation: A Study of New Testament Thought and Theology”, Journal of the Adventist Theological Society 16.1-2 (2005): p. 75–92.
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Gerald A. Klingbeil mora com sua esposa Chantal, as filhas Sarah e Jemima e o labrador Tess, na Universidade Adventista de River Plate, Argentina, onde leciona Antigo Testamento.
A Santa Ceia
A Santa Ceia é a participação nos emblemas do corpo e sangue de Jesus como uma expressão de fé em nosso Senhor e Salvador. Nessa experiência de comunhão, Cristo está presente e fortalece Seu povo. Ao participarmos, proclamamos alegremente a morte do Senhor até que Ele venha outra vez. A preparação para a Ceia inclui auto-exame, arrependimento e confissão. O Mestre ordenou a cerimônia do lava-pés como símbolo de purificação renovada, para expressar disposição de servir um ao outro com humildade semelhante à de Cristo, e para unir, em amor, nosso coração. A Santa Ceia é aberta a todos os crentes cristãos (1Co 10:16, 17; 11:23-30; Mt 26:17-30; Ap 3:20; Jo 6:48-63; 13:1-17).
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